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SONHO E MÁGICA!!! Venha incauto aventureiro... feche os olhos... adormeça... CONTEMPLE através do sonho os segredos de Amalgamos.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Em Defesa da Fantasia

 
CONTEMPLEM!!! EM DEFESA DA FANTASIA!!!
Infelizmente, um tratado necessário

Eu tinha intenção de fazer esse tópico para finalizar a série de postagens sobre Star Wars. No entanto, com o lançamento do teaser do Rings of Power e também com tudo que vem acontecendo no meio da fantasia, entretenimento e RPG, vi a necessidade de expandir o escopo da reflexão pra um contexto geral.

Esse tópico se propõe a analisar 3 coisas: (1) O que está acontecendo com a cultura fantástica*. (2) Quais parâmetros culturais devem ser valorizados. (3) Qual deve ser o plano de ação a ser tomado diante do exposto.

A Morte da Cultura Fantástica
A cultura fantástica está morrendo, não por falta de obras, de popularidade, de quantidade, mas sim, devido a falta de qualidade. O cenário de hqs, livros, séries e filmes esbanja puerilidade e isso pode ser confirmado por qualquer "nerd" raiz honesto com seus hobbys. 

A principal causa da morte da cultura fantástica é a falta de integridade e distanciamento da tradição. Assim como o próprio cosmos se expande, distanciando-se do seu centro e rumando para a desintegração, a cultura fantástica se expande, renegando suas raízes e se alimentando de inspirações cada vez mais tolas e vazias. No fim, essa desintegração não vai ser por falta de conteúdo, mas sim pela diminuição do espírito das novas gerações. 

É possível divagar e apontar muitos culpados para a morte de nossa cultura, mas minha proposta é permanecer em nível prático e dentro do escopo do blog e por isso vou identificar o inimigo como um movimento orgânico e social.

Isso mesmo, a cultura fantástica está sendo destruída por um movimento orgânico e social. (que vou chamar de sistema da morte) e ele é alimentado por 3 agentes: (1) o público raso, (2) o produtor de conteúdo e a (3) grande mídia. Compreendendo esses agentes é possível compreender o funcionamento desse sistema.  Vamos lá...

(1) O Público Raso: O público raso é uma pessoa que não conhece em profundidade a cultura fantástica. Eles são formados pela nova geração que é naturalmente menos informada ou aqueles que não gostam de fato da cultura, ou seja, aquele que gosta de gostar das obras e produtos e estão ali pelo sentimento de grupo, pelo estilo e pelos símbolos do meio. Em ambos os casos, eles são alienados e fáceis de alienar. 

O problema do público raso é que eles não entendem a essência das obras, alguns não desejam entender e já outros, até entendem, mas pouco lhes interessa. Eles consomem conteúdo ruim sem refletir, não ligam para os cânones, são incapazes de criar conteúdo bom e assim formam a base e alimentam todo o sistema de morte cultural.

(2) O Produtor de Conteúdo: Existem produtores de conteúdo que atuam contra a própria cultura fantástica, eles compartilham em diferentes graus 3 características: (1) ele faz parte do público raso incapaz de compreender a essência e respeitar os cânones, produz conteúdo ruim, modista e passageiro, corroí as bases da cultura e realimenta o sistema. (2) ele é um canastrão, objetiva a grana e publicidade, não se importa com a qualidade, mas sim em agradar o público raso. (3) ele é um ideólogo panfletário, ele não sabe colocar suas ideias na obra, apenas faz panfletagem política, em outras palavras, lacra. As vezes ele não entende da essência e apenas age conforme suas convicções, as vezes, ele é um canastrão que só quer explorar o público, mas as vezes, ele sabe o que está fazendo e seu desejo é sequestrar uma obra ou símbolo pra propagar sua agenda.

(3) A Grande Mídia: A grande mídia vai alimentar o sistema da morte divulgando os produtores de conteúdo ruins, seja para lucrar sobre o público raso, seja para propagar sua agenda. Muitas vezes, a grande mídia sofre pressões ou recebe financiamento de corporações ou ONGs com intenções panfletárias.

Desejo reforçar que o sistema da morte é um movimento orgânico e social, ele não pode ser reduzido a indivíduos. Atacar seus agente individualmente é contraproducente e anti-estratégico. 

Os Parâmetros da Fantasia
Uma vez entendido o inimigo, é a vez de entender as armas e as armas são a própria tradição fantástica e suas características.

A boa tradição fantástica possui algumas características importantes, saber reconhecê-las é útil, não apenas para defender ou criticar uma obra, mas para melhor apreciá-la. Defender a cultura fantástica é defender sua tradição e suas características: (1) o maravilhamento, (2) o cânone, (3) a topologia da fantasia, (4) a mensagem.

(1) O Maravilhamento: Uma obra fantástica não é boa apenas por seu enredo e seu cenário. É necessário que a obra cause maravilhamento. Aqui, uso o termo maravilhamento de forma genérica e ampla, pois é impossível descrever o escopo dessa ideia, visto que ela deve estar presente em todas as obras de ficção especulativa, seja a própria fantasia, a ficção científica, o terror, o gótico, etc. Exemplos fazem um melhor trabalho em descrever esse conceito.

O maravilhamento é o sentimento de mágica, de estranheza que causa a diminuição da percepção da realidade cotidiana. É a capacidade de transcendência, elevação de espírito, comunhão com todos os seres, transposição do tempo e espaço, apequenamento diante do extraordinário, etc. O maravilhamento é causado quando o elemento fantástico, científico, de terror, é bem utilizado.

(2) O Cânone: O cânone são os princípios gerais que regem uma obra, ele não apenas serve pra dá coerência, mas também para preservar a essência e servir de modelo. É natural que pessoas bem educadas desejem preservar os cânones em respeitos de seus mestres.

O cânone por vezes ultrapassa a obra original. Anões dificilmente são retratados sem barbas. Vampiros morrem com a luz do sol e são espantados por alho. Adiante abordarei de novo o assunto.

(3) A Topologia da Fantasia**: Imagine um enorme gráfico tridimensional onde cada ponto contém é um sentido, um significado diferente. Esse é um gráfico contendo tudo, todas os sentimentos, experiências, conceitos e definições. Obviamente, uma pessoa normal nunca será capaz de conhecer todas as áreas desse gráfico. Por vezes a literatura e outras artes são capazes de levar a mente da pessoa a áreas do gráfico que elas não teriam acesso normalmente. Por exemplo: trágicas experiências de guerra. 

Perceba que a imaginação é capaz de expandir ainda mais o conteúdo desse gráfico adicionando elementos fantásticos fora da realidade. O conjunto das experiências fantásticas que possui como eixo o próprio homem é o que chamo de topologia da fantasia.

(4) A Mensagem: Toda obra possui uma mensagem, seja ela direta ou indireta, seja a obra, fantasia, ficção ou terror. Perceber, entender e julgar essa mensagem é crucial.

A Defesa da Fantasia 
Agora é hora de traçar uma estratégia pra defender a fantasia. Aqui vou reiterar novamente, o inimigo é um movimento orgânico, descentralizado e social. Estamos combatendo um vírus e opor-se diretamente a ele não é solução. As ações que vou listar são resumidas em 4 pilares: (1) Conhecer e Divulgar, (2) Apoiar, (3) Reagir e Criticar e (4) Criar. O objetivo delas é claro, abrir os olhos do fã alienado, punir o produtor de conteúdo ruim e criar alternativas para o hobby. Eis as ações:

(1) Não Antagonizar Indivíduos: Muitas pessoas irão discordar de sua opinião. Eles podem fazer parte do público raso e estarem alienados, podem estar recebendo alguma vantagem para isso (seja patrocínio ou medo de perder o patrocínio), ou eles podem ter uma agenda ou preferência ideológica que sobrepõe o amor pela obra.  Nunca se irrite, nem ofenda essas pessoas, esses são atos que podem fazer o público se voltar contra você e isso não é bom. Critique ideias, ou mesmo ria delas, mas faça isso de uma forma geral, sem antagonizar e desrespeitar indivíduos.

(2) Apoie Criadores de Conteúdo Raiz: Apoie aqueles que conhecem a essência das obras e seus princípios originais, que não são comprados por benefícios, nem abaixam a cabeça pra ideologias. Não apenas apoie, fique junto deles, beba de suas ideias e fomente o diálogo. Essas sãos as pessoas que podem fazer a cultura sobreviver.

(3) Conheça e Divulgue a Essência das Obras: Tenha apego a obra original e conheça sua essência. Estude, busque informação, mas tenha cuidado com a fonte de onde você bebe a água. Se lembre do ponto 2, fique junto de quem segue os princípios. Não tenha medo de expor suas opiniões, não tenha medo nem respeito intelectual dos grandes portais e "especialistas", a maioria são vendidos, pagam pedágio ideológico com medo de serem cancelados. Se você conhece a essência e fala com o coração, então você está certo e se não estiver não tem problema, você irá crescer em entendimento de forma honesta.

(4) Respeite o Cânone: O cânone deve ser respeitado de forma quase religiosa. Nunca aceite mudanças no cânone de uma obra original, sempre julgue mudanças no cânone como algo ruim. Como disse anteriormente, o cânone por vezes ultrapassa o escopo da própria obra. Nesse caso, inovações são bem vindas, mas como julgar que a inovação é boa ou não? Orcs bonzinhos que fazem família, vampiros que brilham no escuro... Utilize os parâmetros da fantasia para julgar. A adaptação causa maravilhamento? A adaptação está expandindo ou diminuindo a topologia da fantasia? Ou seja, o elemento fantástico original está menos mágico e mais próximo do humano?

(5) Exponha a Panfletagem e a Ideologia: Esse é um ponto de inflexão. Chegamos em um momento em que os produtores, as grandes portais, a mídia em geral se unem com militantes para rotular e silenciar os críticos. Isso aconteceu com Star Wars e acontece novamente com Rings of Power.. Esse é um ataque desleal e injusto, ele divide a base de fãs e aliena ainda mais as pessoas. Não aceite esses rótulos, seja firme, mostre a essência e o cânone e depois exponha a hipocrisia dos detratores. Não seja agressivo, é tentador ofender essas pessoas e seus cúmplices, mas isso só irá gerar mais alienação. Não aponte o dedo falando sobre política, muita gente não entende isso. Seja articulado e exponha seu ponto.

(6) Elogie o Bom, Critique o Ruim: Reconheça o que é bom, não seja radical, é justo que atitudes positivas sejam reforçadas, além disso, radicalismo afasta pessoas. Sempre elogie o que é bom. No entanto, seja impiedoso contra o que é ruim. Não tenha pena de criticar e se for do seu perfil, utilize palavras fortes, deboches, seja ácido. Mas sempre tenha base e argumentos. Apenas a boa crítica é capaz de salvar a cultura. 

(7) Não Consuma Produtos Ruins: Não dê chance pra produtores que acabam com suas obras favoritas. Isso é um cavalo de troia. Não permita o produtor sequestrar a obra, não permita que ele pense que tendo a franquia nas mãos ele também terá seu dinheiro. Sempre que você consome algo que é claramente ruim você está permitindo o produtor a fazer o que quiser com a obra que você ama. Aqui não estou me referindo apenas a adaptações, estou me referindo a todo o merchandise envolvido, roupas, brinquedos, enfeites, etc. Se você quiser assistir para poder criticar e discutir, não tenha pena de piratear. 

(8) Não Abandone o Produto: Depois da vandalização do produto e do mau conteúdo posterior, é tentador abandonar a obra original. No entanto, não faça isso, preserve seu amor pela obra original, elogie ela sempre que possível. A obra precisa de você, assim como o público raso precisa de sua orientação. Imagine a nova geração sendo bombardeada por produtos de Star Wars, mas sem conhecer a trilogia original.

(9) Crie seu Próprio Conteúdo: Em tempos difíceis é necessário manter o fogo acesso, é necessário criar caminhos alternativos. Mais importante do que todos os pontos acima é a criação de novo conteúdo. Crie seu próprio conteúdo apoiados nos mestres do passado, com certeza ele será bom. Pode ser um trabalho amargo e sem reconhecimento, mas é gratificante e precisamos andar com nossos próprios pés.

Considerações Finais
Nesses tempos sombrios é necessário se posicionar e muitas pessoas estão fazendo isso. Essa contribuição tem como objetivo guiar as pessoas a se posicionarem de maneira correta e não contraprodutiva (embora não tenha pretensão de atingir um grande número de pessoas :p).  

Esse texto não tem como objetivo de formar militância, mas sim conscientizar. Acredito que cada pessoa tem seu papel no resgate da cultura, mas que ela não precisa ser instigada em nada e pode realizar seu papel conforme seu próprio perfil. Pessoas com espírito plácido podem preferir conhecer uma obra a fundo e difundir seu conhecimento dialogando. Aqueles com espíritos mais agressivos, talvez prefiram a crítica. Eu por outro lado, sempre prefero criar conteúdo e acredito que minha energia é melhor aproveitada assim. O destino da terra-média repousou nos ombros de Frodo e ele não era um soldado treinado, mas sim um hobbit comum.

Seja como for, meu posicionamento sempre foi claro. Deixo meu apoio a todos aqueles que estão do lado da tradição fantástica e contra os avanços das agendas modernas e de seu revisionismo ideológico.



* Entenda cultura fantástica de forma ampla envolvendo fantasia, ficção científica, super-heróis, etc. Cultura nerd em geral. Eu poderia ter usado o termo cultura nerd, e chamado o público raso de nerd nutela... mas quem me conhece sabe que não sou fã do termo nerd.

** Eu criei o conceito de topologia da fantasia misturando pensamentos de Tolkien e de Heidegger. Já usei o termo no blog outras vezes e acredito que merece um post dedicado para explicar o conceito melhor.