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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Tratado sobre o Mundo das Fadas


CONTEMPLEM!!! O TRATADO SOBRE O MUNDO DAS FADAS!!!
O Banho da Rainha Elfa

A terra das fadas é um mundo mágico. Lá a terra é úmida e coberta de folhas, as árvores são altas e seus galhos frequentemente cobrem a vista do céu. Flores exóticas e cogumelos coloridos crescem entre arbustos. Uma névoa prateada e muitos odores doces envolvem o ambiente. Mas a terra das fadas não é nenhum paraíso perdido. Seus animais são espertos, falam a língua dos homens e podem ser prestativos ou levar a armadilhas. Nas suas florestas vivem poderosos espíritos da natureza, da terra, do vento sul, do bosque e da cachoeira. Em tocas escondidas moram gnomos travessos e duendes que mexem com magia negra. Em pequenas lagoas azuis se banham belas ninfas e divindades élficas rodeadas por fadas. Escondidas em casebres, bruxas traçam planos para sequestrar criancinhas. Entre as árvores existem aquelas que são sábias e bondosas e outras que são demônios de ódio e madeira retorcida. Nas cavernas elfos malignos conspiram com aranhas. E nos famosos palácios dos bons elfos, reinam rainhas apaixonantes e temperamentais. Este é um pequeno retrato da terra das fadas.

Acima eu fiz uma pequena descrição de um cenário de fantasia inspirado no mundo das fadas moderno (considero o mundo das fadas clássico do rpg aquele com inspiração em Tolkien). Comparado com cenários de fantasia de alta magia ou de espada e feitiçaria, este mundo das fadas é normalmente subvalorizado nas mesas de D&D. Os motivos para essa subvalorização são muitos e alguns são insuperáveis. A dificuldade para acertar o "feeling" é um desses motivos, o gosto pela boa e simples aventura é outro. O mundo das fadas não é nenhuma 'dungeon',  colocar ação nesse cenário é mais complicado e requer experiência. Os mais imaturos que tentam inserir ação no cenário acabam cometendo o erro mortal de levantar a bandeira da ecologia em seus ganchos. Isso é chato pra #?&@#. É essa armadilha que quero evitar.

A verdade é que não é apenas o cenário que compõe a fantasia. O cenário pode ser conquistador, pode te levar para um mundo belo e magnífico repleto de aventuras e mesmo assim todo o trabalho de imaginação pode ser frustrante. Isso ocorre porque a fantasia não estar no cenário, mas está no jogador. Uma vez transportado para o mundo fantástico, serão os princípios, os valores, a superação invocada dentro do jogador que irá determinar a qualidade da fantasia. Ora, um cenário que você adentra com uma espada ou uma bola de fogo na mão é um cenário, que mesmo oferecendo simples objetivos temporais, como o acúmulo de riqueza, fama e poder, consegue despertar de forma mais fácil a espirituosidade desejada, mais do que a forçosa defesa da natureza.

Apesar do que foi dito acima, é incrível como o mundo das fadas ganhou audiência nos últimos anos. Foram lançados RPGs inteiramente sobre fadas, D&D apresentou o plano Feywild que foi bastante valorizado na sua 4ª Edição, diversos suplementos sobre o assunto foram lançados. Porque este fascínio todo pelas fadas? Isso é o reflexo da tendência neopagã e da 'religião' ecológica que se manifestou décadas atrás e que vai se infiltrando na cultura substituindo a fantasia de cavalaria. E aí temos um problema, pois apesar de ser interessante jogar em cenários féericos ou ter a opção de receber poderes da natureza e de arquifadas, aparece aí também a forçada motivação da bandeira verde. Mas a verdade se impõe, na ordem das coisas, a dignidade do homem é maior que a dignidade da natureza. Ninguém que jogue com um druida quer dissolver-se no mato e na terra, mas sim ser um conjurador sábio e poderoso com um exército de bichos. De qualquer forma, a motivações dos personagens é coisa pequena, apenas neófitos em rpg ou pessoas com a cabeça danificada pelo pensamento moderno se enrolam no manto verde. Jogadores experientes sabem utilizar o background em prol de suas verdadeiras motivações ou se divertem com personagens caricatos.

A questão não é um personagem inspirado no mundo das fadas e sim o próprio mundo das fadas. Como ele pode ser interessante? Como ele pode ser utilizado? Como fugir do clichê verde e do lenga-lenga? Como eu disse antes, neste mundo existe uma frustração que consiste em renegar o personagem em prol da natureza ou do joguete de fadas. Utilizar essa frustração é o x da questão. Uma boa utilização do mundo das fadas consiste em usar o cenário como o próprio antagonista do personagem. O personagem deve resistir em ser dissolvido pelo cenário. O personagem deve resistir as intrigas da rainha elfa, da beleza da ninfa e dos conselhos do druida para não ser manipulado, aprisionado ou reduzido a terra. Desta forma, o cenário se distância do romantismo ecológico panteísta moderno para ter sua inspiração nos valores das boas e velhas estórias de cavalaria medieval.

O truque que eu utilizo para tornar um cenário baseado no mundo das fadas mais jogável, é inspirado em algum suplemento da 4E de D&D sobre Feywild, no qual se não me engano, personagens diariamente devem fazer um teste de resistência para não enlouquecerem (esqueci o livro e a própria regra). No meu 'mundo das fadas'  improviso armadilhas em pequenos deleites que o personagem possa ter, de modo que um teste mau sucedido de vontade pode custar 1 ponto de sabedoria, até o personagem se retirar do cenário. Um personagem que tenha sua sabedoria reduzida a 5 fica abobalhado e é tragado pelo  mundo das fadas, ou seja... teoricamente morreu, se torna um pdm, até ser resgatado. Além dos jogadores terem de lidar com os desafios convencionais, armadilhas naturais (principalmente de encantamento) aparecem em todos os cantos.

Isso acontece pois o mundo das fadas é um mundo hedonista, superficial, onde os prazeres são mais prazerosos e as sensações mais fortes. No mundo das fadas, os seres são apenas cascas guiados pelos instintos, sentimentos e paixões. Um animal falante por mais esperto que seja é apenas um símbolo de suas características. Uma leão poderia ser honrado e corajoso, mas ele é principalmente irascível. A coruja pode ser sábia e inteligente, mas suas qualidades são ocas, ela pode se lembrar e aconselhar bem, mas estaria presa aos seus instintos. Até uma nobre rainha elfa teria dificuldades de separar as paixões e os sentimentos de suas decisões... Os pequenos deleites desse mundo, como um canto de um pássaro, a beleza de uma joia, o perfume de uma flor, o gesto de uma dama, esconde uma armadilha que aprisiona a alma. Mas o fim último do homem não é o prazer pelo prazer e esta armadilha ele deve superar.

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